FALANDO DE DIREITOS...



Muito se fala em direito intelectual, mas pouco ou nada se sabe sobre isso por essas ilhas afora. Se não, há uma ignorância fingida pelo assunto que alimenta essa política de laissez faire, laissez passer. Isso está a acontecer em todas as áreas artísticas e não só. Muitas vezes o jornalista, o cronista ou mesmo o “bloguista” escreve o seu texto e este é simplesmente copiado, colado em algum jornal e sem direito a qualquer referencia que seja.

Há alguns anos atrás, fui convidado a intervir num fórum realizado pelo jornal “A Semana” com algum tema sobre cultura. Preferi então falar sobre direitos autorais e produção artística. Lembro-me bem de ter falado da inexistência de uma Sociedade de Autores em Cabo Verde que defenda os direitos autorais, bem como a violação da propriedade intelectual. Um dos meus visados era precisamente a TCV, tendo sido uma das impulsionadoras para o afundanço do Éden-Park. Até hoje, a falta de consciência da televisão pública leva-a a continuar, de forma descarada, a exibir filmes piratas (de qualidade muito duvidosa e com legendagens falsas e sem qualquer rigor linguístico), frutos de downloads ilegais.

No que diz respeito à música é então gritante: segundo a Harmonia Lda., o único país que representa um problema para a produtora é Cabo Verde. É triste um músico cabo-verdiano ter a consciência que o seu trabalho é respeitado e protegido em toda a parte do mundo, com excepção do seu próprio país. Músicas de autores e músicos cabo-verdianos são utilizados constantemente para publicidade e demais produções audiovisuais sem autorização prévia. Um exemplo mais recente é a utilização de uma música do mais recente álbum do guitarrista Hernâni Almeida por uma instituição bancária sem que o mesmo tivesse conhecimento. A música de Vasco Martins já foi utilizada inúmeras vezes em documentários e publicidade produzidas pela televisão pública. Quantas vezes o músico, ao menos teve conhecimento do facto?

Artistas plásticos, músicos, designers, cineastas, poetas, pensadores, enfim, ninguém escapa à essa desenfreada falta de consciência e total desrespeito pelo trabalho intelectual.

Neste país de tubarões não há nenhuma legislação que proteja quem quer que seja dessa selva medonha em que se transformou. Isso acontece até o dia em que algum tribunal bata à porta de algum órgão importante para fazer valer os direitos de algum lesado. Nem sequer se trata de opinião, de “eu gosto” ou “eu não gosto”; trata-se sim do reconhecimento do sofrimento que o artista tem no processo de criação. A isso, não nenhum dinheiro que pague.

Se os tempos não mudarem Cabo Verde cairá ainda em maior vergonha do que o facto de manter uma das últimas posições a nível, global, no que diz respeito à protecção do direito intelectual. Logo um pais que devia vender cultura.

Pensamento simples: “Nô ca tem ôr nô ca tem diamante, ma nô tem êss paz di Deus que na mundo ca tem” e é altamente propício à imaginação e à criação. O poeta diria “ca bocês tchá morrê folclôr de nôs terra”, mas eu digo “ca bocês matá folclôr de nôs terra”.

O governo que se gaba de tanta coisas, com um primeiro ministro que discursa citando os mais ilustres homens letrados do pais, devia (não em tempo de campanha, é claro) incentivar à criação de todo o mecanismo necessário para a protecção da nossa arte, devolvendo aos nossos artistas a vontade de produzir sem pensar apenas na sua sobrevivência.

Será demais pedir isso na terra da Cesária que diz orgulhar-se dos artistas que tem, ou vou ser obrigado a admitir que há apenas meia dúzia de gatos pingados que pensam na cultura apenas para discurso de campanha?

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