Caalma é o Segundo CD de Hernani Almeida


Foto: Joe Wuerfel Design: Rolf Wenger


Caalma é o segundo álbum de originais de Hernâni Almeida que já se encontra disponível no mercado. Um trabalho que tem fortes indícios para ser um dos melhores trabalhos musicais de 2010. Caalma (a extensão do “a” e precisamente para dar mais ênfase à expressão). Foi gravado no Le Studio Mindelo, entre 1 de Março a 1 de Abril de 2010, por Jorge Nunes e Hernâni Almeida. O disco é composto por doze temas, sendo 11 do guitarrista e uma de Biús, numa singela homenagem ao jovem músico falecido em 2009.

Transcrevo aqui algumas declarações de Hernâni Almeida a propósito do mais recente trabalho, numa entrevista que este cedeu-me para o meu programa radiofónico Kartaz(1).

Tem sido um processo fabuloso porque é fácil trabalhar com os músicos que me acompanham. Já ultrapassaram a fase da técnica e agora temos uma linguagem interessante de encontro de conceitos. E nada melhor que trabalhar com músicos que facilitam e ajudam na continuidade, facto que também aconteceu em Afronamim com o Lúcio o Zé Paris e o Miroca. Assim, houve mais tempo para conseguir o que queria do disco.

Para mim, o mais importante não é carregar a bandeira do lugar em que nasci na minha arte. Crio, ou tento compreender o que recebo em termos de músico. Muitas vezes acredito que recebo ideias musicais, não sei de onde, mas reflicto-as ou refracto-as. Por isso, não posso estar a pensar numa bandeira. É claro que, quando recebo uma ideia musical, acrescento algo a ela. Esse acréscimo é o meu sotaque cabo-verdiano. Mas não faço música tradicional cabo-verdiana por certo, definido. Por ser cabo-verdiano tenho minha música tem essa componente bastante forte. Quem tiver atenção dará por isso.

Se alguém queira fazer carreira como músico em Cabo Verde para enriquecer, é melhor desistir. A não ser que tenha a sorte de tocar com músicos lá fora e conseguir defender os seus direitos ao ponto de ganhar dinheiro com isso. Sobretudo porque a música tem de ser feita com alma. Considero que ainda estou em fase de crescimento, pelo que não posso servir de exemplo. Não posso falar, não devo aconselhar. É um fenómeno tão interessante que se tem a sensação que tive sorte na vida, uma vez que tenho conseguido trabalhar como músico desde sempre e não numa empresa qualquer. Além de fazer minha música produzo outros músicos e assim consigo dinheiro para ir levando minha vida adiante. Não posso aconselhar às pessoas que sigam o mesmo caminho que eu – tem que ser natural. Tem que ser imperativo – é isso que vou fazer, mesmo que morra de fome a meio do caminho. Vivo em plena felicidade com criação e música. Contudo não sei se as pessoas tenham paciência para algum sofrimento. Procuram ser advogados ou ter uma profissão que mantenha alguma estabilidade, mas a música é instável. Optar por ser advogado e músico não dá certo. Vida de músico não é fácil, mas é muito feliz.

Os cabo-verdianos têm um problema de Geografia. Vivemos em ilhas pequenas e, só por vivermos em ilhas e estarmos rodeados por mar, pensamos que o lado de lá é “assim”. Nós achamos. Daí o “achismo”. E quando o lado de lá não responde, voltamos para o vizinho ao lado – “Acho que devias ser uma pessoa mais concentrada na vida...”, “Acho que deverias calçar mais sapatos...”, acho , acho... o achismo. Em Cabo Verde isso também acontece na arte. As pessoas criticam sem qualquer formação, só pelo facto de acharem que têm o direito de dar uma opinião. Ora, isso é legítimo. Contudo, uma coisa é criticar de uma forma agressiva e outra coisa é questionar sobre algo que não entendemos. Ou seja, passa-se a vida inteira a desenvolver um trabalho e, quando apresentamo-los, há quem acha-se no direito de achar. Não fazem ideia da tua infância, adolescência, crescimento, perspectivas de vida, até à fase adulta em que ganhas a coragem de mostrar o teu trabalho publicamente. É fácil o achismo, mas penso que as pessoas deviam ouvir música mais com coração do que com o ouvido ou outros sentidos. Devíamos aceitar o próximo. Acreditar no outro e esquecer do achismo. Observar e confiar no trabalho dos outros, regressando a casa contentes ou não.

Precisamos urgentemente de escolas de música. Mas antes das escolas de música precisamos de pais que observem os filhos e descubram que esses poderiam ser óptimos advogados ou dentistas mas que têm um dom para a música. Os pais devem sensibilizar ao filho com esse talento a caminhar para a música, mesmo que faça algo mais em paralelo. Devem dar-lhe uma oportunidade e confiar nele. A música, a pintura, a dança ou qualquer outra forma de arte está acima de qualquer estabilidade. Em primeiro lugar, a garantia espiritual. Conheço muita gente que tem muito dinheiro e que não vive feliz; pessoas que gostariam de ser músicos. Eu não tenho direito. Nós os artistas não temos dinheiro mas vivemos a nossa felicidade. Os pais têm a obrigação de ajudar o filho que tem qualquer aptidão artística. Há quem diga que tenho muito talento e quando mo dizem olho para trás e digo: aí estão minha mãe e meu pai. Quando pensei em chegar perto dum keyboard meu pai já o tinha para me oferecer. Quando pensei em criar uma melodia, a minha mãe assobiou-ma ao meu ouvido, ninando-me para que eu dormisse. Portanto, isso vem da educação, delicadeza e confiança. Considerem isso um apelo: pais, deixem os vossos filhos escolherem a música, não lhes metam medo. Deixem-nos escolher a profissão que quiserem, mas a arte torna-os pessoas diferentes.

Com novas sonoridades, Caalma não fica a dever nada ao anterior Afronamim. Aliás, é gratificante ouvir jovens músicos com essa garra que tem o Khaly (um dos maiores teclistas da actualidade se não for o melhor daqui a poucos anos), ou a experiência de N’du (percussionista de carreira que já tocou com músicos de renome como é o caso de Sara Tavares)

Produzido pelo alemão Lutz Meyer-Scheel, Caalma aparece com uma concepção gráfica mais requintada, moderna e madura. Vê-se uma imagem preocupada em lançar o guitarrista para fronteiras mais distantes.


(1) Kartaz é transmitido na RCV às Quintas-feiras pelas 20h30.




FICHA TÉCNICA

Hernâni Almeida: Lead Guitar, percussion, keyboard, back vocals
Vando: Electric Bass anf fretless bass solo
N’Du: Percussion
Khaly: Keyboards and piano


TRACKS
1. Calma
2. Asanga
3. Yagóra
4. Maskrinha
5. Festa de tchuva
6. Transparente moda sol
7. Esperá verde djgá
8. Pove
9. Anjo da guarda
10. Kual verdade
11. M ka krê uvi
12. Bom soninho


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