Diva cantou Novas



Diva Barros é uma cantora que tem vindo a evidenciar-se há já algum tempo. Dona de uma voz inconfundível no nosso meio, tem feito inúmeros concertos, levando, inclusive, a música caboverdiana a outras paragens. Com certeza, a experiência também conta.

Mas não é isso que me leva a escrever este texto. O que me move neste momento é a iniciativa da Diva em cantar Manuel d’Novas num concerto realizado no Pub Alta Lua do Mindelhotel no muito longe dia 28 de Agosto. Para quem não saiba, Diva é filha do já falecido Artur de Praça de táxi (referido em, pelo menos, duas músicas de Manuel d'Novas), um exímio intérprete de cavaquinho e grande amigo do meu pai, Manuel d’Novas. Daí, o enorme carinho que envolve essa amizade fraternal, que se junta à admiração que qualquer artista nutre pelo compositor.

Não é fácil cantar Manuel d’Novas e Diva o sabe bem. Já o Bana e a Cesária Évora cometeram alguns pequenos erros, principalmente no que diz respeito às letras das músicas de Novas. Ildo Lobo terá sido o intérprete que mais se aproximou da verdadeira essência da música de Manuel d’Novas. É que quem canta a música desse compositor tem que conhecer não só a música e a letra, mas também a história e o contexto que a envolve.

Tive muita vontade de assistir ao concerto, mas tal não foi possível porque eu estava a trabalhar na noite desse dia. Mas o próprio Manuel d’Novas assistiu. Fiquei com muita pena do meu pai não ter conseguido assistir à homenagem que eu e minha companhia de teatro o fizeram meses atrás mas, pelo menos, conseguiu vir ao de Diva. Porém, consegui ouvir um registo audio do concerto e confesso que fiquei eufórico por ter essa oportunidade. Afinal seria um concerto interpretado pela Diva e por músicos que admiro muito. Aí estavam o Tchenta, o Djassa, meu primo Jimmy, Djôdje e o mestre Bau. Ou seja, um suporte musical de luxo. Porém, fiquei um pouco desiludido com o concerto pelas falhas enormes nas letras das canções. Quero acreditar que tenha sido mais pela emoção que tomou conta da Diva (o que ela não conseguiu, nem fez questão de esconder), porque sei que ela tem as letras originais tomadas pela mão do compositor. Não cantou apenas o que outros cantores interpretam. Como exemplo, posso dizer que na música “Nha coraçon tchorá” diz-se Nha grito perdê na vento e não Nha grito espaiá na vento e muito menos Nha grito espaiá na espaço; na música “Rambóia na Toi Bintim” diz-se Ai que música sábe di gozo e não Ai que música sábe e dôce; em “Morte d’um tchuque” (aí já não é só a Diva) não se diz Regód c’vim tinte ma uns gruguinha ma uns preparativo mas sim Regód c’vim tinte ma um gruguinha mónse pa aperitivo e ainda, na mesma coladeira diz-se Um cafizim c’lête e não Um cafizim quente, o que é quente é o cuzcuz; em “Viva Mindelo” começa-se logo mal – em vez de São Vicente Rua de Lisboa deve-se cantar Tchôm de Mindelo Rua de Lisboa; em “Sombras de Destino” Manuel d’Novas Ta vagueá de mar em mar e não Ta nadá de mar em mar; em “Saltá parede” Alguém tava ta goitál e não Gente tava ta goitál (eu nem sequer estava nascido para estar lá); e por aí afora. Pode-se pensar que são apenas pormenores, mas a música de Manuel d’Novas é complexa e repleta de histórias, significado e sentimentos, pelo que a troca de uma simples palavra muda completamente o sentido da música inteira.

Quando a sarron.com apresentou a peça “Biografia dum Criôl” houve um enorme cuidado com a música, a construção das personagens e a insersão da história no contexto das músicas. Aliás, o objectivo principal do espectáculo era o de levar às pessoas um melhor conhecimento da música de Manuel d’Novas e a sua importância na nossa cultura. Houve também um estudo pormenorizado dos termos e de palavras nessas músicas que hoje cairam em desuso.

Fora esse desabafo sentido e certo (penso eu), o concerto foi uma iniciativa de louvar e espero que mais homenagens a nossos artistas e nossa cultura tenham sempre algum destaque, pois temos o dever de mostrar aos nossos artistas o quanto são importantes para nós, assim como estes devem agradecer e receber com humildade as homenagens que para eles são feitas.


Neu Lopes

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